O ARTIGO TERCEIRO (5)
REFLEXÕES SOBRE O PODER
márcio josé rodrigues
Um cheiro desagradável de bolor, umidade e restos fecais em decomposição
dominava o espaço da quase escurecida caverna naquela hora mais quente do dia.
Mesmo que a esta hora todos os seus ocupantes devessem estar adormecidos,
Sapolítico não conseguia fechar os olhos descomunais.
Uma angústia incontrolável comprimia-lhe o peito à medida que a ansiedade se
descarregava em tiques nervosos em seus pulos de cá para lá e de lá para cá num vai vem
interminável pelo chão lamacento do recinto. A imensa boca estava seca e o papo
tremia num ritmo descontrolado, embora sem emitir algum som. À medida em que a
boca mais secava, a baba espessa lhe colava a língua ao céu da boca.
Sapolítico sentia medo, muito medo.
Alguns assessores, sapolíticos menores distritais, traziam-lhe notícias dos "currais" daando-lhe conta das
dificuldades em conseguir os preciosos sufrágios necessários para sua
permanência no poder. Os chefetes dos clãs e proprietários da vontade dos
eleitores na disputa eleitoral revelavam seu grande descontentamento com o último governo
que, não cumprira as promessas da campanha eleitoral nem honrara os compromissos
individuais.
Esta, Sapolítico teve que engolir, mesmo com a boca seca.
A cada
chefe de grupo local a quem pediam sufrágios, obtinham exigências de trocas,
barganhas, nomeações para mais cargos e favores, além do câmbio direto em moeda
corrente, sem o menor pudor ou vergonha na cara.
O mais
celebrado cidadão, tido como modelo de caráter, alicerce moral das antigas
tradições, exemplo vivo às futuras gerações, também votaria no candidato, com a
condição de cumprimento de certas exigências em favor pessoal e da família.
O velho Sapolítico,
acostumado a viver deste jogo por décadas, sabia muito bem das causas para que
se chegasse a este ponto.
Seu partido
e seus governos sucessivos haviam destruído a educação, ridicularizado as
crenças, explorado a fraqueza dos necessitados e a ganância dos ricos.
Em Lagoa não
havia mais sufrágios de graça como nos velhos tempos em que se votava num
cidadão e em suas propostas, por direito e vontade cívica livre de cada um.
A busca
desenfreada pelo poder determinara a corrosão das consciências e tornara o precioso e sagrado
sufrágio em reles matéria de barganha.
Na medida em que se digladiavam na
conquista de um eleitor, o preço por um voto tornara-se impraticável e, sem o
respectivo pagamento não havia voto.
“Toma lá, dá
cá”, “é dando que se recebe” e mais a velha e simples lei da oferta e da
procura.
Sino português - do reinado de Dom João I instalado com a criaçao da "Villa da Laguna de Santo Antônio" em 1714. (roubado e não procurado do Museu Anita Garibaldi em 2016) |
Réquiem para
uma cidade
Minha querida
cidade
Onde passei
minha infância,
Onde colhi a
fragrância
Dos dias da
mocidade.
Onde plantei
os meus sonhos,
Onde sonhei
meus amores,
Onde, nas
mãos de impostores,
Chegaram
dias tristonhos.
Venho encontrar-te
em desgraça
Abandonada
na rua,
Miserável, pobre
e nua
Em tua fria
carcaça.
Ao teu
cadáver, a massa
Baixa os
olhos, de vergonha,
Toda esta
gente pidonha,
Indiferente,
que passa.
O que
fizeram contigo?
Quem te
feriu desse jeito?
Quem rasgou
assim teu peito
E te
infringiu tal castigo?
Pobre, mendiga cidade
Das ruas
cheias de lixo,
Do "
cidadão" que é um bicho,
Que te suga sem
piedade.
Seu caráter, tão rameiro,
Que mesmo
não sendo pobre,
Por umas
moedas de cobre
Te vende por
vil dinheiro.
Gente que se
acha astuta
Faz do voto um
rendimento,
Como o
gigolô nojento,
Que vive da
prostituta.
Só te sobrou
esta escória
Para suster
teu presente?
O que quer
toda essa gente
Que te
perdeu a memória?
Ao turvar
este teu brilho,
Ao te cavar
teu jazigo,
Na mesma tumba,
contigo,
Sepulta seu
próprio filho.
Pois, quem
mata sua terra,
O próprio
destino sela:
Também vai morrer com ela
E a mesma
cova o enterra.
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