quarta-feira, 12 de abril de 2017

 O ARTIGO TERCEIRO (4)

                            A HISTORIA DE RANA
                                                                             marcio jose rodrigues
           
Rana era uma linda perereca que habitava com sua pobre família à beira de um lindo lago.
            O lugar, aparentemente pacato e sem novidades importantes, tinha entardeceres paradisíacos e quando o sol se punha por trás das montanhas, nas águas lisas como um lençol estendido a perder de vista, os tons de azul refletidos do céu mesclavam-se a lilases e róseos e, muitas vezes, de fogo. Parecia então que, se ela ali mergulhasse, lá no fundo alcançaria a imensidão do céu.

Entardecer em Laguna - Brasil
            Este era também o momento mágico do despertar de Lagoa, quando os jovens se reuniam em coro para saudar o aparecimento da lua que não tardaria a chegar.
            Rana não era como a maioria despreocupada das companheiras que, adoravam coaxar a noite inteira até o nascer do sol.
            Sua vida jovem de apenas quatorze anos e irmã de uma poça inteira de girinos, era a de acordar com o ocaso e só repousar com a aurora, cuidando, provendo alimentos e executando até trabalhos braçais masculinos. A mente, contudo, permanecia viva e repleta de sonhos engaiolados  sem liberdade de voar,  como as garças brancas e os biguás. Sentia dentro do seu inquieto coração que o mundo não era apenas aquilo e sonhava à porta da toca dos ribeirinhos.
            
Sem nenhum aviso, a miséria e a fome chegaram de mãos dadas quando o pai de Rana morreu e foi levado ao sambaqui. 
            O mundo de Lagoa sempre foi cruel com os enfraquecidos e despreparados.
            A “seleção natural” não conhece misericórdia.
À pobre família restou barganhar sua linda prenda com um batrachio viciado em suco fermentado a quem chamavam “Sapateiro” e lha deram em matrimônio.
            Não houve romance nem felicidade no pouco tempo em durou esta aberração.

     Um dia começaram os rumores.
            Viventes de terras longínquas do sul estavam em revolta contra os desmandos e os pesados tributos cobrados por Sapotentes Imperiais, insensíveis e distantes.
             Um grande exército esfarrapado moveu-se na direção de Lagoa. Os viventes locais agitaram-se e bateram muito papo, dançaram e cantaram anunciando um novo mundo com nova sapolítica em que o “todo poder emanaria dos bagres”.
            De fato, os esfarrapados chegaram, expulsaram os imperiais e proclamaram que Lagoa agora era Capital de uma pátria livre.
            Sapateiro aproveitou a onda e fugiu com eles, abandonando casa e família.
            
Entre os comandantes das forças libertadoras havia alguém que tinha um sotaque diferente, vindo de uma terra de além-mar. Falava coisas bonitas e sabia coaxar canções sapolitanas.
            O amor entre a linda Rana e Giusappo Garibaldi foi bonito e selado definitivamente quando ele lhe disse num momento solene:
            
- “D’ora in piu tu sarai la mia Ranita”.
           
Ranita era mais que uma “femina”. Sabia amar o amor de um guerreiro e a ele entregou-se, corajosa e sonhadora, de corpo, vida e destino. Todo o sonho que estava aprisionado em si explodiu naquele momento de lutas e perdas numa heroína de fogo e sangue, de proporções muito maiores do que a mesquinhez de Lagoa jamais poderia compreender e engolir.
            Para os lagoenses Ranita não passaria nunca de uma degenerada. Jamais a perdoaram e por mais de um século sua imagem foi tripudiada, motivo de risos e chacotas difamantes.

            Mas, os lagoenses estão perdendo tudo. Sua história vai aos poucos para as lixeiras dos sambaquis, jamais lançam olhares à distância, deixam levar suas mais preciosas relíquias, sem reação, numa apatia doente e vergonhosa.  A eles interessa apenas a vantagem que possam arrancar do momento, uma sociedade perdedora do passado e despreparada para o futuro.
           
 A Seleção Natural tomará conta deles.
          
  No momento, entretanto, estão arrancando Ranita do túmulo onde repousa com honras de “Heroína de dois Mundos”, tentando salvar alguma vantagem que atenda aos seus negócios de comércio, atraindo visitantes para Lagoa.

Monumneto aAnita Gariraldi- Itália
          
  OS LAGOENSES NÃO MERECEM RANITA.

          
  Para este simples cágado contador de causos, Ranita é a fêmea que a “Seleção Natural” não conseguiu apagar. Tendo apenas seu caráter e seus sonhos como arma de combate, saiu à frente do seu tempo e projetou sua imagem feminina para todas as outras com lições imortais de como se ama sua pátria, seus filhos, seu companheiro de vida.  De como se pode ser um ente livre, de corpo e de alma, igual em natureza, altivez e força.
            Ranita não me sai da mente, nem do coração e por isso arrisco, embora não seja um sapo cantor, a dizer estes versos:

         
            Raninha, filha do vento,
            Não cases com Sapateiro
            Não é o teu sentimento
            Não é amor verdadeiro.
           
            Raninha, linda criança,
            Por que não ficas comigo?
            Este marujo de França
            Te arrastrá ao perigo.

            Ranita, morena linda,
            Não abandones tua terra.
            Não terás paz nesta vida,
            Nem no amor ou na guerra
           
            Ranita, a gaivota errante
            Retorna à beira do cais
            Mas, tu já vais tão distante...
            - Adeus!”-  para nunca mais.


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