O ARTIGO TERCEIRO (4)
A HISTORIA DE RANA
marcio jose rodrigues
Rana era uma linda perereca que
habitava com sua pobre família à beira de um lindo lago.
O lugar, aparentemente pacato e sem
novidades importantes, tinha entardeceres paradisíacos e quando o sol se punha por
trás das montanhas, nas águas lisas como um lençol estendido a perder de vista,
os tons de azul refletidos do céu mesclavam-se a lilases e róseos e, muitas
vezes, de fogo. Parecia então que, se ela ali mergulhasse, lá no fundo alcançaria
a imensidão do céu.
Este era também o momento mágico do
despertar de Lagoa, quando os jovens se reuniam em coro para saudar o
aparecimento da lua que não tardaria a chegar.
Rana não era como a maioria
despreocupada das companheiras que, adoravam coaxar a noite inteira até o
nascer do sol.
Sua vida jovem de apenas quatorze
anos e irmã de uma poça inteira de girinos, era a de acordar com o ocaso e só
repousar com a aurora, cuidando, provendo alimentos e executando até trabalhos
braçais masculinos. A mente, contudo, permanecia viva e repleta de sonhos
engaiolados sem liberdade de voar, como as garças brancas e os biguás. Sentia
dentro do seu inquieto coração que o mundo não era apenas aquilo e sonhava à
porta da toca dos ribeirinhos.
Sem nenhum aviso, a miséria
e a fome chegaram de mãos dadas quando o pai de Rana morreu e foi levado ao
sambaqui.
O mundo de Lagoa sempre foi cruel
com os enfraquecidos e despreparados.
A “seleção natural” não conhece misericórdia.
À
pobre família restou barganhar sua linda prenda com um batrachio viciado em
suco fermentado a quem chamavam “Sapateiro” e lha deram em matrimônio.
Não houve romance nem felicidade no pouco
tempo em durou esta aberração.
Um dia começaram os rumores.
Viventes de terras longínquas do sul
estavam em revolta contra os desmandos e os pesados tributos cobrados por
Sapotentes Imperiais, insensíveis e distantes.
Um grande exército esfarrapado moveu-se na
direção de Lagoa. Os viventes locais agitaram-se e bateram muito papo, dançaram
e cantaram anunciando um novo mundo com nova sapolítica em que o “todo poder
emanaria dos bagres”.
De fato, os esfarrapados chegaram,
expulsaram os imperiais e proclamaram que Lagoa agora era Capital de uma pátria
livre.
Sapateiro aproveitou a onda e fugiu
com eles, abandonando casa e família.
Entre os comandantes das forças
libertadoras havia alguém que tinha um sotaque diferente, vindo de uma terra de
além-mar. Falava coisas bonitas e sabia coaxar canções sapolitanas.
O amor entre a linda Rana e Giusappo
Garibaldi foi bonito e selado definitivamente quando ele lhe disse num momento
solene:
- “D’ora in piu tu sarai la mia Ranita”.
Ranita era mais que uma “femina”.
Sabia amar o amor de um guerreiro e a ele entregou-se, corajosa e sonhadora, de
corpo, vida e destino. Todo o sonho que estava aprisionado em si explodiu
naquele momento de lutas e perdas numa heroína de fogo e sangue, de proporções
muito maiores do que a mesquinhez de Lagoa jamais poderia compreender e
engolir.
Para os lagoenses Ranita não passaria
nunca de uma degenerada. Jamais a perdoaram e por mais de um século sua imagem
foi tripudiada, motivo de risos e chacotas difamantes.
Mas, os lagoenses estão perdendo
tudo. Sua história vai aos poucos para as lixeiras dos sambaquis, jamais lançam
olhares à distância, deixam levar suas mais preciosas relíquias, sem reação,
numa apatia doente e vergonhosa. A eles
interessa apenas a vantagem que possam arrancar do momento, uma sociedade perdedora
do passado e despreparada para o futuro.
A Seleção Natural tomará conta deles.
No momento, entretanto, estão arrancando Ranita do túmulo onde repousa com honras de “Heroína de dois Mundos”, tentando salvar alguma vantagem que atenda aos seus negócios de comércio, atraindo visitantes para Lagoa.
OS LAGOENSES NÃO MERECEM RANITA.
Para este simples cágado contador de causos, Ranita é a fêmea que a “Seleção Natural” não conseguiu apagar. Tendo apenas seu caráter e seus sonhos como arma de combate, saiu à frente do seu tempo e projetou sua imagem feminina para todas as outras com lições imortais de como se ama sua pátria, seus filhos, seu companheiro de vida. De como se pode ser um ente livre, de corpo e de alma, igual em natureza, altivez e força.
Ranita não me sai da mente, nem do
coração e por isso arrisco, embora não seja um sapo cantor, a dizer estes
versos:
Raninha, filha do vento,
Não cases com Sapateiro
Não é o teu sentimento
Não é amor verdadeiro.
Raninha, linda criança,
Por que não ficas comigo?
Este marujo de França
Te arrastrá ao perigo.
Ranita, morena linda,
Não abandones tua terra.
Não terás paz nesta vida,
Nem
no amor ou na guerra
Ranita, a gaivota errante
Retorna à beira do cais
Mas, tu já vais tão distante...
- Adeus!”- para nunca mais.
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