UM OVO NA RELVA
por Márcio José Rodrigues
Era uma vez um casal de gralhas azuis, as aves encarregadas de fazer a cada ano, o plantio dos pinhões, que são as sementes dos pinheiros.
No topo de um desses gigantes, um especialmente muito velho, que havia escapado ao machado dos madeireiros, elas sempre faziam seu ninho.
Durante uma grande tempestade, uma violenta rajada de vento derrubou a imponente árvore. O único ovo que havia, milagrosamente, não se quebrou, porque caiu na relva macia. As duas pobres aves esvoaçavam e gritavam em desespero, sem saber o que fazer.
Diante de tanta algazarra, os animais da vizinhança apareceram assustados com a queda daquela árvore tão forte e majestosa, confusos com a situação dos pobres pássaros e diziam palavras e palavras, lamentando o triste acontecimento, mas só isso.Na verdade, sentiam-se impotentes diante da fatalidade. Também não estavam dispostos a se incomodar. Os pássaros que se arranjassem sozinhos. Cada um já tinha os seus próprios problemas.
Apenas um coelhinho permaneceu, comovido com o drama das gralhas. Aquele ovinho tinha uma vida guardada dentro de si. Se ele fosse chocado, um dia seria um filhote de pássaro; mas, jamais nasceria se ficasse ali no chão.
A árvore caída, meio apoiada sobre os restos de outros velhos troncos, mostrava a ramada onde ainda estava o ninho. Enquanto papai e mamãe reorganizavam as coisas, o coelhinho tomou delicadamente o ovo entre suas patinhas e o manteve aquecido entre seus pelos fofos e macios até que o ninho ficasse pronto.
Meses depois, nas belas e ensolaradas manhãs de primavera, coelhinho acordava todos os dias com uma festiva algazarra.Bem perto de sua toca, num ninho quase rente ao chão, um alegre e laborioso casal se revezava, trazendo no bico, insetos para alimentar um filhote que piava esfomeado. Aquele passarinho não teria nascido não fosse a generosidade de um coelhinho tão pequenino, que mal conseguia segurar um ovo entre suas patinhas.
Passaram-se alguns anos.
Certa vez, após um inverno rigoroso, a primavera começava um pouco tímida, mas em muitos lugares já apareciam flores no vale e o riacho cantarolava alegremente, coleando no meio do verde novo.
O dia amanheceu bastante frio e aquele coelhinho, agora um senhor muito velho, pai e avô de respeitáveis ninhadas, observava o cenário que se descortinava até as montanhas resplandecentes de sol e o céu profundo e azul. Seus olhos ainda espertos varriam rapidamente a campina repleta de brotos novos e tenros, quando de repente, avistou a figura de um homem que caminhava em sua direção.
Normalmente, a prudência o aconselharia a fugir para a segurança de sua toca, mas resolveu permanecer, contra todos os seus instintos naturais de defesa.
O homem não parecia ser um caçador.
Chegou mansamente, sentou-se no velho tronco e estendendo a mão, começou a afagar-lhe delicadamente o pelo, sentindo-lhe a maciez. Depois, suspendeu-o, trazendo-o para perto de si.
Os olhos daquele homem tinham um brilho diferente e transmitiam uma paz tão grande, que, mesmo preso em suas mãos, não sentia nenhum medo, nem mesmo quando ele o abrigou debaixo do manto, junto do peito. Naquele calor aconchegante, sentia-lhe o coração batendo calmo, a respiração ritmada embalando-o e relaxando-o cada vez mais.
Gralhas azuis - um bando numeroso- pousaram bem perto, saudando-os com suas ruidosas cantorias. O homem retribui-lhes a saudação com um amável sorriso..
- Sabe, meu coelho... - uma vez, lembra? – você salvou esta espécie de pássaros da extinção, quando cuidou daquele ovinho caído chão. Essas belas gralhas azuis que cantam tão alegremente são todas descendentes daquele filhote. Fiquei muito comovido com seu gesto e muito orgulhoso de você.
E continuou:
Os ovos, meu amiguinho, escondem o segredo da perpetuação da vida. Todos os seres vivos, as plantas, com suas sementes e todos os animais, os maiores e os menores, sempre nascem de um ovo. O ovo é o símbolo da vida.
- As coelhas não botam ovos, nem as raposas, nem os gambás, disse o coelho.
- Mesmo os coelhos, as raposas e os gambás e até mesmo os homens, nascem de ovos. A diferença, é que alguns fazem ninhos debaixo da terra, outros na água, outros em ramos de árvores, outros ainda, têm seus ninhos dentro da barriga de suas mães. Mas, todos nascem de ovos.
- Como você pode saber dessas coisas?
- Sei de todas as coisas por que sou o segredo da vida. Eu sou a vida que nunca se acaba, que dura para sempre.
O coelho, já muito à vontade e bem acomodado sob o manto, enroscava-se confortavelmente e quase explodia de felicidade.
O homem continuou:
- Quero lhe pedir um grande favor! De todos os seres viventes, os que mais estão se afastando da vida, são os homens. Muitos deles matam, destroem as florestas, sujam as águas, envenenam o próprio corpo e o ar que respiram.
- Os homens são maus! – disse o coelho. Quando vêm aqui, não matam somente para comer, como o lobo guará e a raposa, mas matam sem conta e depois abandonam os corpos e os deixam espalhados apodrecendo!
- Nem todos os homens são maus e nenhum deles nasce mau, meu amiguinho! Nenhuma criança é má! Muitos deles são meus amigos e amam a natureza. Quero que me ajude a salvar os homens transviados do caminho, enquanto eles ainda são crianças. Veja! Todos os anos, eles celebram por mim, o renascimento da vida. Então eles se alegram e se abraçam e enchem-se de novo de esperanças. É a festa da Páscoa!
Coelhinho bem que gostaria de ajudar, mas não sabia como, sentindo-se tão pequeno, velho e fraco.
O homem tomou-o entre as mãos e disse, olhando bem nos seus olhinhos:
- Quero que de hoje em diante, os coelhos distribuam ovos a todas as crianças do mundo, ricas ou pobres, lindos ovos, pequenos ou grandes, enfeitados, coloridos, saborosos, para que os meninos e as meninas, mesmo quando crescerem, jamais esqueçam o dia da Páscoa, e assim nunca percam a esperança na vida. Que de geração em geração, os coelhos distribuam ovos e de geração em geração, os homens celebrem a Páscoa, a grande festa da vida que não se acaba nunca.