segunda-feira, 5 de junho de 2017


O PINHEIRO E A NUVEM 
5 de maio, Dia do Meio Ambiente
                                                 por márcio josé rodrigues

Nas antigas florestas deste lado do mundo, uma grande amizade nascera e se perpetuava por tempos imemoráveis, entre as árvores e as nuvens.
Nuvens parecem todas iguais, são disformes, ou melhor, conseguem mudar a todo instante.
Dizem que são passageiras. Mas, acredite, elas têm coração, sentimentos e uma memória inapagável.
Uma delas tinha uma especial afeição por uma gigantesca araucária que havia nascido numa colina à beira de um paradisíaco vale, há mais de mil anos.
Araucaria brasiliana - pinheiro catarinense.

O lugar onde a semente caíra era uma fenda em rochedo alto e inóspito, exposto aos raios inclementes do sol.
Mas era uma plantinha valente, aquele pinheirinho. Infiltrou suas débeis e pequenas raízes em todos os minúsculos espaços onde havia qualquer nutriente que a ventania, porventura, se encarregava de alimentar.
O pequeno arbusto havia conquistado sem o saber, uma madrinha entusiasmada com sua coragem e persistência, uma daquelas nuvens que passavam por aquele lugar.
Quando ela voava rente ao topo da colina em sua ronda em torno do planeta, fazia chover sobre ele uma garoa suave e vivificadora, fresca, que o aspergia e encharcava de carinho, o bastante para mantê-lo vivo e ainda mais encorajado.

Com mais abundância a água generosa e farta alimentava o gracioso rio que corria pela campina lá embaixo.
Então ele agitava alegremente sua copa ao vento e desprendia um suave aroma de sua essência preciosa.  Assim, sua amiga partia totalmente perfumada, de volta à rotineira viagem, levando consigo aquela lembrança de seu amigo.
Ele cresceu, rompeu e despedaçou a rocha, ganhou a terra profunda.
Tornou-se um respeitável gigante. Produziu incontáveis pinhas estufadas de saborosos pinhões, alimento fundamental de muitas espécies de animais, entre eles, as ruidosas gralhas azuis que se encarregavam de espalhá-los pela mata onde nasceram outros tantos pinheiros, seus filhos.
Um dia, porém chegaram os homens de pele clara, com suas mulheres e crianças e seus machados de ferro. Iniciaram um lento processo de destruição e abertura de clareiras para construírem suas casas, perseguindo e matando os animais, caçando e exterminando os antigos habitantes de pele escura que viviam em paz com a mata. Depois mandaram notícias aos seus semelhantes e eles continuaram chegando cada vez mais numerosos, em multidões furiosas, com mais ferramentas, doidos varridos de ambição e morte.
Descamparam a antiga floresta para suas estranhas plantações, poluíram o cristalino rio com venenos desconhecidos, extinguiram os peixes e aprisionaram as aves.
Rasgaram estradas em uma incontrolável fome de mais árvores para simplesmente queimar ou fazer mais casas, currais e cercas, pois se achavam donos da natureza e marcavam com estacas e paliçadas tudo aquilo de que tomavam posse.
 E assim se foram as imbuias, os pinheiros, os jacarandás, as caneleiras, as perobas e os garapuvus.

Certo dia aconteceu o que jamais ninguém imaginara, nem mesmo os mais antigos daqueles doidos. O rei da floresta, a mais idosa de todas as árvores, não resistiu a dias e noites a fio, de tortura a golpes de machado.  
O velho majestoso pinheiro, orgulho daquele lugar também tombou.
Quando as nuvens retornaram e viram a devastação ficaram perplexas. A nuvenzinha, porém, ao perceber o desaparecimento do querido amigo, entrou em desespero. Voou pelas vizinhanças à sua procura, contorceu-se, rodopiou mil vezes a chamar alto por seu nome sem, contudo, obter resposta ou, quem sabe, sentir um só resquício de seu perfume.
Ao seu desespero uniram-se as demais amigas e, tantas eram, que esconderam o sol. Por dias e noites sem parar, clamavam e seus gritos desesperados eram trovões que ribombavam pelas quebradas das montanhas, fazendo tremer tudo em volta. E acenderam suas luzes para iluminar a escuridão e suas luzes eram raios fulminantes que incendiavam e matavam, colocando os homens em pânico.
Cansadas e sem mais esperança daquela procura insana, puseram-se a chorar de dor e desespero e suas lágrimas copiosas fizeram transbordar o rio, inundaram as cidades, matando, fazendo desmoronar as encostas, soterrando casas, carregando suas pontes, deixando em tudo, um palco de terror e desolação.
Quando o vento as empurrou, enfim, para o vazio do espaço, quando o céu recuperou sua cor azul, não restara muita coisa daquilo que era o lugar das pessoas.
E as pessoas também choraram seus mortos, desaparecidos e suas perdas irreparáveis.
O sol voltou e eles recomeçaram suas vidas tentando reconstruir seus lares naqueles mesmos espaços em que se amontoavam.
Com certeza, vão buscar novas árvores, cada vez mais longe.
As nuvens estão agora em viagem ao redor do mundo.
Elas voltarão na próxima primavera, ou quem sabe no inverno ou outono à procura das suas amigas. 
E, com muito mais saudade, vão chorar de novo e de novo, talvez muito mais e com maior desespero. E destruirão muito mais enquanto os homens não aprenderem a conviver com a natureza.

https://www.youtube.com/watch?v=s9PQ7qPkluM
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