sábado, 16 de abril de 2011

O PEDREIRO E O ESCRITOR

Foto Maria de Fátima Barreto Michels




Foto Márcio Rpdrigues
   Maria de Fatima Barreto Michels*



Muito atento ao seu trabalho, ele estava sempre lá. Fazendo o piso, assentando tijolos, colocando tubulações, reboco e revestimento cerâmico. Sem elevador, subíamos seis andares diariamente, acompanhando e fotografando a obra. Achei interessante a superfície daquele banco. Sobre aquele tosco banco o Manoel recortava com a serra mármore, ou maquita como ele dizia, os pisos e azulejos nos tamanhos necessários.

A tábua que formava a parte do assento do banco estava a cada dia com mais sulcos, linhas retas que se cruzavam. Ali também ficavam pequenas porções de massa que respingavam quando o pedreiro subia para fazer o emboço na parte mais alta da parede da churrasqueira. Comecei a clicar semanalmente o banco e o fazia em horários diversos para obter tons que variassem. Com alternadas posições do sol no bairro Mar Grosso, eu ficava observando a história que, numa linguagem diferente, ia sendo escrita na madeira daquele banco.

Em outro continente, na cidade de Genebra, uma escritora também criava, digitando no computador, as suas linhas.

Antes de eu começar a observar a construção, outros homens já haviam trabalhado muito por ali, finalmente vieram o pintor, o carpinteiro, e o eletricista e todos eles continuaram a utilizar o banco.

Muitas pessoas trabalhavam e cada qual ia deixando seu autógrafo, naquele prédio. Lá da Suíça a Jacqueline convidava poetas e contistas, através da internet, para que juntos erguessem uma obra em forma de palavras. Um dia a escritora contratou a publicação dos textos de 38 brasileiros, dos quais entre ela uma dezena de lagunenses.

Eu e Isabella, estudante de design industrial, sugerimos fotos diversas para a capa do livro, mas para nossa surpresa, entre flores, céu e mar a editora escolheu justamente uma parte daquele assento de banco que reunia muitas marcas. Tais riscos, na imagem fotográfica, convergem para uma rachadura que há na tábua. A fresta forma uma linha que liga horizontalmente ou, pode-se dizer, na qual estão dependurados muitos dos sinais de uma especial semiótica da construção civil.

O livro se chama Varal Antológico, porque ele nasceu da revista virtual Varal do Brasil e trata-se de uma coletânea onde estão reunidos muitos autores. Fundamentada “numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado” poderíamos dizer que a fotografia, na capa do livro, conseguiu estender um metafórico varal. Um fio que começa com a escritora lá na Europa e vem até o pedreiro aqui no Brasil. Impossível aqui não me lembrar do filósofo e educador Paulo Freire: “Não há saber mais ou saber menos: Há saberes diferentes.”

Diferentes meios e formas de expressão: na obra civil as ferramentas, na literatura as palavras. A foto da capa é o comprovante dos inúmeros operários que naquele banco nos ajudaram a estender o VARAL ANTOLÓGICO.

Quem não gosta de poesia? Quem não precisa de um varal?


* Professora, Poeta, Escritora - Presidente do Grupo Carrossel das Letras  - Laguna SC

6 comentários:

Anônimo disse...

Fico até sem graça porque o blogueiro, não se limitando ao publicar esta crônica (creditando-me texto e imagem), colocou minha "fina estampa" e dizendo que sou poeta...Então tá né? Valeu, Macanudo!Obrigada pela oportunidade aqui no seu espaço virtual. Abraço fraterno da Fatima.

Jacqueline disse...

Professor, este seu blog tá muito bom mesmo! Me surpreendo e alegro a cada visita. Parabéns! Continue por favor! bjo grande com muita admiração! da Jacque

Clotilde Zingali disse...

ótimo e oportuno post. e linda a foto. como diz o poeta Caio Meira, "o poema está à vista, ao alcance da mão". uma obra é toda uma sorte de poemas. é poesia à flor da pele. também deixo aqui meu primeiro poema: CONSTRUÇÃO. um abraço, Clotilde Zingali

construção

está na argamassa
no rejunte dos
pisos, dos azulejos
no reboco interminado
no vão
no batente

no pé direito
no andar superior
na caixa do pedreiro
na colher
na desempenadeira

está na pá, na enxada
na picareta
na girica
na lata
na pinga para começar
e terminar o dia

no que se vê pela janela
no que se sente ao andar pela construção
está lá o sonho do arquiteto

walnelia disse...

Tua riqueza de detalhes me entusiasma,faz pensar que pessoas existem e fazem a diferença no Universo...Percebo esse "olhar" na maravilhosa Fátima e agora comungo com tuas palavras belas,porque inspiradas no cotidiano que pode ser poético!...penso que a Poesia está no foco,no olhar,que já vem lapidado pela Luz da essência...Abraço fraterno.

Anônimo disse...

Caro blogueiro Márcio: muitos conterrâneos, e muitos outros, todos aqueles que moram dentro, no lado esquerdo do peito, visitarão você provocados por este blog. A gente curte demais quando as pessoas da Laguna vêm nos dar um abraço né? Gostaria, entretanto, de dizer que a presença de pessoas aqui, como Clotilde Zingali , trazem uma alegria imensa! A Clotilde, lá do Rio, escreve às quintas no jornal A Notícia daqui de SC. Ela, além de arquiteta cursa Psicologia, mas nada em Clotilde é mais forte do que o talento com a palavra. Têm várias obras publicadas.Fiquei muito feliz. Muito! Bom domingo, Clô! Bom domingo Márcio!Fatima.

Anônimo disse...

Wal querida! Você com seu carinho e sua poesia se fazendo presente em Laguna aqui neste espaço! Que delícia! E que bom saber que estaremos, juntamente com o blogueiro e mais 35 escritores, autografando o Varal Antológico aí na capital! Abraço fraterno daqui! Fatima.